quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Entre Franco da Rocha e Caieiras

Estou no trem. Entre as estações Franco da Rocha e Caieiras. Pela janela entra no vagão o verde mato. Muito verde de mato. Viro meu olhar para a esquerda e por cima do meu ombro, pela outra janela, vejo um cavalo marrom e outro branco. Pastam. Olho por outra dessas janelas pelas quais dentro de alguns minutos adentrará o cinza cidade (no vagão?, em mim?): dois homens, numa quinta-feira, meio-dia, vejo pescar num laguinho que se abre no meio do mato. Não entra só no vagão, e estou indo pescar verde por aí.

sexta-feira, 24 de julho de 2015

Coisas fora

Ontem me peguei numa querência urgente, dessas que precisam ser cumpridas de imediato, queria eu arrumar o meu entorno, uma tentativa de ver ao redor certinho e me sentir... certinho por dentro. E resolvi colocar porta afora do meu quarto, dentro de uma caixa, o que não mais me servia – a coleção de quase todas as edições da Revista MTV, a Enciclopédia Larousse Cultural e um monte outro de revistas outras, livros pré-vestibular, livros de ficções que não lerei, etc. Os dispensados estão até agora na porta do meu quarto, esperando um carro que os leve ao sebo mais próximo. É uma pilha enorme, precisa de um carro! Coisas outras anotadas em papeis, folders de peças que detestei e outras coisas e muito mais que não me lembro, joguei fora.
Comecei então a catalogar a bagunça que restou. Meus escritos de quinze, dezesseis anos, escritos em folhas muitas tipo folha de papel sulfite, folha de guardanapo, pedaço de caixa de sapato, guardei. Nunca tenho coragem de lê-los, mas os guardo por achar que ainda faz sentido manter esse primeiro impulso de escrita, quando tinha a necessidade de preencher qualquer papel que via ‘virgem’ em minha frente. Isto, é coisa dentro.
Consegui eliminar duas caixas e as outras organizei embaixo da minha cama, com etiquetas identificando o que tinha dentro: agenda 2012, 2013, 2014; diários antigos, que ao guardar junto com o diário de 2014, me fez ver uma linha do tempo cruzar o espaço do quarto em um segundo, o que deu tontura, e me fez perguntar neste período, o que teve sentido e o que não teve – aí logo em seguida tive ódio mortal de mim mesmo, por ter dado de ‘presente consolo’ um diário de 2010/2011 para meu ex-namorado, ‘você vai se sentir melhor ao ver que essas dores passam’, disse eu, em uma das cartas que enviei com um buquê de rosas colombianas embrulhadas em filme transparente com um laço de ráfia, um calendário com as datas que seriam importantes para nós e os dias marcados com um x em que eu esperaria por ele em um ponto da cidade que fora importante para nós, para mim. Identifiquei coisas com o nome ‘escritos antigos’, CDs, Lego – não consigo me desfazer das pecinhas – , cadernos de desenho antigos, fichário escolar do ensino médio (só um), quatro edições da Revista MTV que guardei, apostilas de violão, manuais e cabos do computador, manuais de outros aparelhos, entre outras coisas, e entre outros escritos que detalho de diferentes formas – antigos, retalhos, na pasta, no caderno, ideias, organização do que voa pela cabeça, etc. Não mexi numa caixa com roupas que guardo para usar como figurino – incluindo um vestido que já usei várias vezes – e outra caixa com papeis que sei quase todos o que são – dois anos de núcleo de dramaturgia dá pra juntar muita papelada. Consegui até ontem esquematizar que tudo referente ao teatro ficará em pastas vermelhas, o que for do Gororoba em pastas verdes e o que for dos estudos espíritas em pastas azuis; coisas de médico em pastas transparentes, documentos em pastas amarelas. E tudo também etiquetado, sei lá, foi um surto de organização como o de um dos maridos da Dona Flor – o vivo, chatinho, não o Vadinho.
Coisas fora. E continuo dentro desorganizado, meio Vadinho. Talvez seja eu um tipo de HD incorrigível, riscado, com dados perdidos que vez ou muitas se mistura com um dado atual e vira um dado mágico, tentando ganhar vida no tabuleiro do mundo real.


Senhora de cabelos azuis na plataforma do trem sentido Rio Grande da Serra

Seus brincos, azul turquesa, combinam com seus cabelos. Azul, mais intenso que o que se faz hoje presente no céu. Sua mochila colorida do Snoopy guarda seus pertences - e me pergunto quanto guarda esta senhora no coração. Combina perfeitamente a mochila com a roupa clássica, preta e branca, e tudo orna perfeitamente com sua idade, 65 ou 70.

(Facebook, 22/06/15)

Catarse na quitanda

Hoje os tomates estavam pálidos mas belos de pele lisa. Uma beleza delicada e quase invisível abaixo dos pepinos e ao lado dos quiabos, ambos em tão formoso verde. Escolho três quilos da fruta agridoce e uma de vocês desaba no chão. Tenho pena, porque dentro de poucas horas este hematoma será sua podridão e não terás o prazer de ser deleite em boca saliva e eu agridoce pele semente. Te ponho nos três quilos e te levo pra casa.

(Facebook, 29/05/2015)

segunda-feira, 16 de março de 2015

Elucubrações sobre o verbo nunar



A gente troca esses olhares bobos de quem quer conversar e não conversa. Esse medo bobo que o ser homem cosmopolita, XXI na veia, eletrônico, tem de dizer olá... ou não rola nenhum medo, é apenas isso de ser mais recluso que a maioria, mas de minha parte a vontade de dizer um oi sempre foi muita.

Oi. 

E fico bobo e sem jeito para fazê-lo. E nem é pela beleza fugaz desses vinte e poucos que logo passa, ou já passou, sei lá, quantos anos você tem? Mora aonde? Com o que trabalha? Música? Contemos uma piada. É esse jeitinho particular de olhar, olhar firme de quem ainda procura – procura o quê? Quer ajuda para achar? Bora lá! Fisicamente esse seu ser baixinho, não posso negar, isso realmente me atrai. Tenho uma queda incontrolável por baixinhos... vocês são menos desengonçados, tipo, sem sobra de metro ou centímetros. 

Eu percebi sua existência no planeta quando amarrou uma fitinha verde no meu braço para assistir uma peça. E fui pensar em outras coisas, fui amar um alguém que se tornou meu grande amor da vida, e chorei por isso horrores e me iludi mais terrivelmente ainda, e caí. Despenquei 25 andares de um edifício no Anhangabaú. 25 andares que procurei ao longo de vários anos, e de lá caí em voo livre. As sequelas tento esquecer, mas estão aqui. Sempre ficam e só param de latejar quando a gente aprende a conviver... Hum, melancólico este trecho.

Ok, você tem esse lance de ser meio gatinho, mas não é isso. É o jeitinho, um ‘i’ de interiorano – você é daqui de SP? –, uma coisa meio frágil mas de certa forma segura de si, essa voz que no fundo é grave, mas na fala soa mesclada com um agudo de insegurança ... soa comum e bonito ao mesmo tempo. É estranho tudo. Você é estranho, mas ok, somos todos.

Eu estava bem louco na sexta-feira 13, eu não sei beber, e talvez tenha sido de um jeito meio sem saber o que faço, o que falo, coloco as mãos no bolso ou não, quero beijar você, eu disse, e tchau você. É estranho o tchau antes do oi. 

Só queria saber por que me olha. Me acha legal e pensa que eu daria um bom amigo, acha que valeria a pena conhecer para algo mais, não é nada disso, você é vesgo, eu pensei que você olhava na minha direção, mas na verdade não olhava. Ok, eu sei que você não é vesgo. E tudo bem se eu confundi tudo, ou cheguei na hora errada com a dose errada de álcool e os versos de uma música soando na veia, ‘eu não sei pedir queime devagar’... enfim, já é tarde, melhor eu nanar e sonhar com outras coisas... ou nunar. Dormindo não controlo.

Oi?
...

quinta-feira, 12 de março de 2015

Aos vinte e um que somos dezenove



10/03/15:
Sem muito pesar anuncio, que nesses breves momentos em que estamos juntos e os vejo sorrir, conversar, destruir, lacrar, morre um estar naufragado que às vezes é meu estado comum - às vezes!
Fico meio encantado, calado (não que o seja pouco), magnificado com o plural que somos, com a força que tem cada voz, cada olhar, cada gestual... Somos um colosso; não rude, enrijecido, mas solar, vibrante, como um raio solar a cruzar firme o espaço entre céu e terra; e como um trovão, porque de indivíduos tão fortes, certamente provocaremos as mais graves tempestades... Mas é também preciso ser enorme para voltar ao riso e fazer prevalecer o amor - palavra tão difícil, me parece semente já tão pungente em nós. Por isso colosso.
Descobri que entrei na XIX via mensagem de voz do Felipe, 'Passamos todos!' Entrei rápido no blog da escola sabendo quem eram todos: eu, Carlos, Jeniffer e Felipe - o NIT do ano passado. Mas lendo nome por nome, até passar pelo meu sem muito alvoroço interno, seguindo até o fim da lista, o 'passamos todos' me tomou com novo significado: passamos todos!

365 dias x 4... início!

12/03/15:
P.S.: Não esqueçamos a palestra de hoje. Esse indivíduo que busca sua essência, faz o seu melhor, e essa esperança louca que citou a Schapira, de estar à beira do fim, mas seguir otimista na labuta.

domingo, 1 de março de 2015

A Bisa



A criançada lá de casa queria saber quem era aquele fóssil na varanda. Mas o fóssil olhava de cara amarrada e fumava aqueles fumos de palha, que também de cara amarrada passava horas seguidas a fazer somente um, cortando com as mãos firmes e fortes a palha do milho, quase um quadrado, e próximo a uma das bordas colocava em linha reta o fumo, e depois enrolava, enrolava apertado, o que me fazia lembrar os rocamboles da confeitaria, ainda há pouco todos os dias frequentada: o confeiteiro, de cara amarrada, enrolava o pão-de-ló com doce... mas voltava a centrar-me no fóssil, que abaixava a cabeça até um dos lados do quadrado depois de muito enrolar, e deixava a língua escorrer saliva por toda uma aba, para que eu nunca mais em minha vida, passado o ano que tivesse passado, se quer me atrevesse a pensar em comer rocambole.


O fóssil admirava a sua obra e me revirava o estômago – mas a curiosidade não me deixava partir, e via o fóssil pegar o fogo do forno à lenha ao seu lado e acender o fumo, sendo então o fóssil, minha conclusão, fruto seco do calor do fumo e do calor do forno.Senhoras e senhores, esta é a única visão que tenho da minha bisavó centenária em vida. Em vida?


Nós, meninos e meninas, éramos obrigados a dizer bênção e beijar a mão do fóssil todos os dias pela manhã ao acordar e passar por ele ali sentado sempre na varanda, na cadeira de balanço, e abaixávamos a cabeça – in memoriam – ao entrar para o almoço, e novamente tínhamos que tocar-lhe a capa e as veias sobressaltadas antes de deitarmo-nos. Não sei ao certo se o fóssil dormia e se dormia, se o fazia ali sentado ou se ia deitar-se – nunca o vimos andar, nem para ir ao banheiro e como na cadeira e na varanda não havia cheiro de fezes, não sabíamos na verdade se realmente cagava e mijava. Talvez já fosse fóssil demais para danar-se com fisiologia tão mais que de vida, que de morte.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Devaneios no Trianon (uma hora de almoço)

A brisa o parque contém entre seus troncos, folhas, sombras, à guisa de trópico úmido, enlaçado pelas avenidas que se cruzam ao seu redor. Bibi-fonfon, não é mais brincadeira de criança. É doença e me curto em ti, verde pequeno e  poderoso, quem esse passarinho que vem brincar perto de mim, curioso comigo ou curioso de mim, passarinho?
Passa lá em casa mais tarde, não tem verde, mas tem eu lá pra sobre você velejar, até chegar em terra firme e então, desbravar.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Contido (ou no ônibus)



Lágrimas.
Guardadas neste não caber,
Até juntarem-se como lâminas,
E então correr.

sábado, 7 de fevereiro de 2015

Guardado desde o Natal

'Gostar é provavelmente a melhor maneira de ter, ter deve ser a pior maneira de gostar.'
Saramago


E mais não sei.

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Nuvem Felina

Uma nuvem de feições felinas sorri agora para mim do céu sobre o Mercadão da Lapa. A lua que ilumina seus contornos, seus fundos, fertiliza ideias em minha cabeça sobre o rosto felino no céu que a lua desenha e como sempre devaneio, olho sem ver, e agora, ao olhar de volta, pro céu, não mais vejo, só agora uma nuvem densa a esconder a lua.

Lapa, SP, 22.01.2015 - 21h59min

Obs.: Embaixo, a luz do portão do mercado, detector de presença, acende logo que apaga e novamente acende logo que apaga. Devem ser os ratos passando e a nuvem deve ter ido para o bueiro.

Com o Preto Velho

Um Preto Velho me disse, montado em seu cavalo branco, que meu Pai e meus guias me levaram até aquela casa hoje - e bem pode ser verdade que me senti forçado a deixar de lado a procura por uma transa para afogar as mágoas. Estava eu no terreiro, em frente ao Preto Velho, que disse que minha mentora espiritual queria se aproximar de mim para me dizer algumas palavras - e são minhas e depois de ouvidas, só em mim ficarão -, e que para ouvi-la, bastava eu buscar pequenos momentos de alegria e de alimentação da minha alma, boa leitura, boa música, sentar num parque e encostar numa árvore - e disse o Preto Velho, não para ficar fuçando num aparelhinho eletrônico, mas apenas para estar comigo e alimentar uma de minhas partes. Porque disse ele, o Preto Velho, que sou duas. Terra e Espírito, todas com suas necessidades, e que deveria saber ser disciplinado para saber alimentar uma, sem matar de fome a outra. E disse ele que sempre, seria eu essas duas partes.
Disse o Preto Velho que um médico conversador aqui da Terra - um psicólogo - iria me ajudar. E que eu já sei o que alimenta bem o meu corpo, e o que me alimenta mal. E sabendo, seria preciso eu escolher que alimento quero. Porque disse eu a ele que sei que o pensamento é eu que alimento, e tenho-o nutrido de mutilações de possíveis felicidades que nunca são mais que possíveis, distantes, talvez. Porque as mutilo, dando lugar a pensamentos obscuros de dor, horror, sangue, solidão, the end (não disse 'the end', disse-lhe 'pensamentos feios').
Disse o Preto Velho que sou em excesso intelectualizado. E que seu eu fosse burro seria mais fácil, porque assim que apanhasse e sentisse a dor de ir no caminho contrário, não matutaria em pensamentos mil que me fazem recolher-me como ostra - levaria a paulada e sairia correndo para o outro lado.
Disse o Preto Velho, e gosto tanto de conversar com eles em suas giras de calmaria e ternura, que podia eu escolher entre tudo que tenho aberto ao meu alcance, basta o meu querer seguir, que chego. 
Disse-lhe eu que estava curioso sobre a mentora espiritual, que já sabia dos vários amigos que me acompanhavam, mas não sabia dessa mentora. E disse outras coisas em íntimo silêncio e olhos fechados, enquanto sua mão de cavalo branco estava sobre minha cabeça. Ele ouviu e sorriu.
Agradeci por coisas outras que ele disse serem meu mérito. E cruzando minha guia branca, ele pediu que eu pensasse em tudo de mais lindo que já vivi. E lembrei da minha mãe comigo e meu irmão no sofá quando pequenos fazendo festinha, que gostava de fazer cócegas no pé do meu irmão porque seu pé era achatado e gordinho, que ria na cozinha da casa da minha avó pulando alto e batendo nas minhas próprias pernas - era quase um relinchar; lembrei de imagens outras que vez ou outra, num pensamento fúnebre, sucumbo. Vi todas essas imagens desenhadas em minha guia branca e o Preto Velho a colocou em meu pescoço. 
Por último, o Preto Velho pediu minha guia preta e vermelha e perguntou se eu cuidava dela. Disse que nunca a havia limpado. Ele disse que dava pra perceber e a colocou entre os dedos como se pesasse uma tonelada. E pediu que eu a guardasse e pedisse aos pais da casa para me ensinar a cuidar delas. 
Disse ele que não esquecesse sempre de acender uma vela branca quando voltasse, oferecendo a essa minha mentora. E assim acabou, eu sem saber quem é essa mentora, quem é esse Preto Velho, quem é Deus. Sinto-me grato, com menos uma tonelada.