domingo, 5 de junho de 2011

Gula

A minha de ontem, que me segue hoje, fome tarada, insaciável, é de informação. Ontem caminhei por aproximadamente quatro horas. A caminho da minha última aula de teoria musical do meu período de férias, deparei-me com uma enorme fila na rua Catão, em frente a biblioteca Mário Schenberg - fila para retirada de ingressos gratuitos (havia me esquecido da Festa do Teatro desse ano). Nem pensei em pegar a fila porque iria me atrasar para a aula e ontem foi o primeiro sábado em que eu estava andando tranquilamente, sem atrasos. Fiz minha aula, confesso que estava meio disperso, dó ré mi fá sol lá si dó pra mim era tudo a mesma coisa e segui assim até o final da aula.

Descendo novamente a rua Catão, a fila já havia dispersado, então parei para ver quais os ingressos ainda disponíveis. Peguei um par para assistir a Filosofia da Alcova, dia 11 às 23h59min. Tenho prova na faculdade dia 12, não poderei ir. Vou ver se alguém quer os ingressos. Segui dali caminhando até o Sesc Pompeia para comprar um par de ingressos para assistir Navalha na Carne à noite com uma amiga. Ingressos esgotados até o fim da temporada. A outra opção era assistir uma montagem baseada em Hamlet do centro de estudos de atores do Sesi, mas os ingressos sempre se esgotam assim que são disponibilizados - não valia à pena tentar. Foi aí que comecei a sentir a tal fome. Passei na frente de uma banca de jornal e levei duas revistas, a Vegetarianos e uma revista de decoração (fiquei curioso com uma matéria sobre uso das cores). Decidi andar até o parque da Água Branca e lá sentar para ler o jornal informativo da Festa de Teatro, quem sabe ainda conseguia um par de ingressos para a noite. Então, como queria andar, decidi ir até o centro da cidade caminhando, passando pela Santa Cecília (meu bairro preferido) - gostei das flores nos canteiros, o de amor-perfeito tinha uma aura vivaz que contrastava alegremente o cinza e bege vigente no plano geral. Subi a Jesuíno Pascoal, minha antiga rua, vi que demoliram a casinha de velório da Santa Casa na Jaguaribe - não sei como se chamam essas casinhas, mas essa certamente não era uma capela. Estão construindo um cubo de tijolos no lugar. Caminhei até o centro, passando também pelo Largo do Arouche, a praça da República e lá em frente ao antigo Mappin mais uma fila para pegar ingressos. Mas estava gigantesca e a ignorei depois que ela ganhou meio minuto da minha atenção. Nossa, percebo que meu texto está mudando, apesar da linearidade dos fatos está ganhando as palavras que me apetecem.

Subi a Praça Ramos a caminho da Augusta. Logo no começo da rua um homem que atravessava a rua me parou, pedindo para falar. Tinha chagas no rosto, uma barba bastante grande e espessa, loura assim como os cabelos, os olhos azuis eram muitos grandes. É raro eu buscar uma leitura do que dizem os olhos de alguém, mas tem alguns que parecem trazer todo um livro que pode ser violentamente degustado em poucos segundos. Assim era o dele, voraz, faminto, desesperado, intenso. Disse que era HIV positivo, que tinha fome, que não pediria dinheiro e sim comida. Tinha sotaque inglês - não era brasileiro, ele explicou. Expliquei-lhe que ia subir a rua e que tinha R$ 5,00 no bolso. Dei-lhe. Confesso que normalmente ignoro, não por maldade, mas porque se for dar dinheiro pra todos que pedem na rua, vou a falência. Mas os olhos tão agressivamente desesperados (apesar desse desespero não apagar o brilho), misturado com a fome que estava de informação, não me deixaram pensar duas vezes. Se tivesse mais no bolso era bem capaz de ter dado também. Não como esmola, mas como pagamento pela leitura não solicitada dos seus olhos.

Ah, antes disso tinha entrado na Mário de Andrade atrás do Guia de Cultura da cidade, mas não tinha nenhum. Do lado de fora, um grupo de pouco mais de vinte pessoas com máquinas fotográficas, fotografando a biblioteca, o altos dos prédios, a borda entra arranha-céu e céu, sei lá.

Continuei subindo a rua Augusta, agora atento as informações dos grafites, das pessoas que desciam a rua, meio desinteressantes de um modo geral. Na frente do Comedians, um grupo de pessoas, maioria mulheres, protestavam colocando cartazes no portão do lugar. A polícia entorno, os carros desviando da faixa ocupada, muita gente com mais máquinas fotográficas e filmadoras, registrando informação. Pelo que entendi nos dois minutos que dei a atenção do meu olhar, algum humorista do local fez piada com relação as mulheres. Nos cartazes, 'Homem que é homem não bate em mulher', 'Da roupa que visto cuido eu', 'contra o estrupo', vou me informar a respeito. Marcha das Vadias era o nome, e o protesto só foi finalizado na porta do Comedians, mas a causa de uma modo geral era a agressão contra as mulheres e inspirava-se num grupo de protesto de mulheres canadenses.

Continuei subindo a rua, e parei duas vezes, atraído por uma loja colorida que vende brinquedos - coisa nova na rua - e em um sebo. Entrei no sebo atraído pelo cartaz - R$ 1,00. Achei dois DVD's, Procura-se Susan Desesperadamente e Mudança de Hábitos, que me custaram bem mais que R$ 1,00. A essa altura também já tinha comprado a Folha de São Paulo, mas não me lembro onde. Subi até o Conjunto Nacional e entrei na Livraria Cultura. Comprei para minha amiga que fazia aniversário ontem O Menino do dedo verde, do Maurice Druon. Sim, livro infantil, mas que todo adulto deveria ler até virar gente. Também peguei a Revista da Cultura, da qual gosto muito.

Liguei para minha amiga, com quem iria me encontrar, mas ela ainda estava no trabalho. Deixamos para hoje - acabamos de trocar mensagens e novamente adiamos. Resolvi então matar outra fome, a do estômago, mas a praça de alimentação do Shopping 3 estava cheia de pessoas comendo acompanhadas. Não gosto de gastar para comer sozinho e como tinha um salgadinho de soja na bolsa, só usei o banheiro e saí, pegando o ônibus pra voltar pra casa.

Li quase o jornal inteiro e busquei algumas notícias na Internet também. Achei um blog bastante interessante sobre música (http://blognotasmusicais.blogspot.com/) e lendo uma matéria sobre a Zélia Duncan lembrei que ela fará shows no Sesc Belenzinho. Entrei no site e vi que várias datas já estão esgotadas. Amanhã comprarei o meu sem falta.

Dormi e hoje quando acordei li quase a revista Vegetarianos inteira - interessei-me especialmente por uma moqueca de palmito com leite de coco e banana da terra. Passei os olhos na revista de decoração, mas depois eu leio com calma. Entrei na Internet e percebi que minha fome continuava. Comecei a ler notícias do mês passado, achei um blog interessante no meio disso (http://pelomundo.folha.blog.uol.com.br/), e li inúmeras postagens, só parei porque achei que estava ficando gordo de tanto informação e resolvi escrever este texto pra abstrair um pouco. Agora vou comer.