terça-feira, 20 de maio de 2014

POP - ou Fragmento Solidão

PROCEDIMENTO OPERACIONAL PADRONIZADO 
------------------------------------------------------------------------- 

ou 

Fragmento Solidão 
----------------------------- 



Redator: Ronny Leal 



Item 1, sobre o OBJETIVO 

Estabelecer lúcido entendimento de amor romântico, happy end, ou assegurar sobrevivência.


Item 2. DOCUMENTAÇÃO TOMADA COMO REFERÊNCIA, PRINCÍPIO. LEIS IMUTÁVEIS, DE ORIGEM DESCONHECIDA, INERENTE A TODO SER HUMANO. PRINCÍPIO. INERÊNCIA. VIDA. 

Resolução número 10.481, de 18 de setembro de 2013. 

Dispõe sobre regulamento que organiza e viabiliza a aplicação de princípios técnicos ao reconhecimento de sentimento romântico ou de profunda ternura, a cautelosa imersão e o não ferimento daquele a qual o sentimento pertence. A resolutiva, no entanto, é revogada diariamente. 


3. O item 3. CAMPOS DE APLICAÇÃO 

Área do corpo (Além físico) 
Coração (Além cardíaco) 
Olhos (d’alma) 
Tato (Gesto) 
Direção (Incerta) 


4. DEFINIÇÕES 

Par – Dois. Em conluio de causas sentimentais. Não se aplica a suprir carências e qualquer outra infantilidade do gênero. 

Reticências – sugerem brusca interrupção, inesperada, casual. Inesquecível. Consequências... Sou transformado.

  
OS RESPONSÁVEIS. Item 5 

Deus,  
que diz que agora sim, quando o encontro vai além da matéria, que sim, agora, nem céu nem terra separa. Era o que estava na página 59, aberta aleatoriamente. 

Cupido,  
que certamente nunca foi homem, porque se um dia fora, nunca um dia atiraria sua flecha. 

Eu, 
Que ainda me permito o amor sem antes ao menos a minuta de reciprocidade. 

Você... 

 EMENTA CASUAL! 
Pois é assim, num simples você, que rompo a quarta parede. E desaba a água da barragem, sobre cidade, luz se apaga, TV se cala, trem para. 


6. OS FATOS. OU RELATOS.  

- É imagética essa substância toda que se coloca como essencial, que até ontem não havia, devaneio sem parada, chuva em trânsito, diz Acusação.

- Sendo assim, invento uma alegoria para guardar a chuva e encolher a trama de sentimentos avessos a uma vida feliz em par, diz Defesa. 


Subitem 6.1. SOBRE OUVIR 

Fundamento do diálogo, me calo. 
Porque você precisa falar e fala verdades que te afogam. 
Prazer, sou o homem guarda-chuva. Deságua que de benta nossa água não tem nada. 
Se bem que bom seria santificar a calma e enfiá-la em ti, sem licenças. 
E tento em vão, licenças. 


O subitem 6.2 É SOBRE ACASOS E TATO 

É quando a luz apaga, o outro confesso... 

Que outro? 

O de quem fala, um outro que só fala. É assim que a luz se apaga que se aninha no meu peito, eu tomado, sobressaltado, esse acaso encontro não agendado... 

Um:  
Que horas acaba sua aula? 

Outro Um:  
Nove. 

... E eu que estava ali pra te fazer fogueira, sou aquecido por teu calor. 

Um:  
Sou calorento.  


Subitem 6.3. SOBRE VOLTAR, OU AÇÃO CORRETIVA, OU TORPEDO SMS 

‘Aí eu passo uma incrível noite na casa... Aceito estar com ele... É como um sonho. Ele – a menor intensidade. Sou louco ou idiota?’ 


7. EMENTAS MANIQUEÍSTAS 

JUIZ: 
O quê? Quando? 

RELATOR: 
Diálogos ocorridos ao acaso, em dias não agendados, sem prévio aviso, graves consequências.

JUIZ: 
Como? 

REDATOR: 
Um contínuo afogamento de algo que vai além do cardíaco - mas sabe-se que ocorre por ali. 

JUIZ: 
Bom ou ruim? 

RELATOR: 
Não há resposta. 


Item 8. A REVOGAÇÃO

RELATOR: 
Deus, que diz que agora sim, quando o encontro vai além da matéria, que sim, agora, nem céu nem terra separa. Era o que estava na página 59, aberta aleatoriamente. 

JUIZ: 
Prendam quem disse isso! 

RELATOR:
Cupido, que certamente nunca foi homem, porque se um dia fora, nunca um dia atiraria sua flecha. 

JUIZ: 
Prendam esse atirador de flechas. Chega! Revogado!


RELATOR:
Redator, que reconhece os calos das mãos tocadas uma única vez anos atrás.

JUIZ:

Revogado! Está revogado o amor!

RELATOR: 
Meritíssimo? 


9. REGISTROS 

A Certidão de Casamento certifica uma feliz união entre dois, prevendo a comunhão dos corpos. Mas só destes, porque também já certifica a comunhão de bens. 


ÚLTIMA EMENTA... 
Foi encontrado na piscina de areia do parque um coração ensanguentado. Uma criança o achou e saiu atirando-o para cima, pelo direito de errar. E quem sem ele ficou continuou por aí atrás de errar.


... CASUAL! 
A japonesa de quimono, tola, sempre caminha um passo atrás do companheiro. 


10. DOS ANEXOS (10.481 DIAS DEPOIS) 

E lido o regulamento, apoiado em lei, tão absurdo na generalização do amor, coisa de todos, coisa tão individual, ouvem-se gritos de protesto. 

‘Por que de lancha e não de nau? Se perca sem pressa. Fico aqui, ilha perdida à deriva.’ 

‘Massa não é coletivo. Coletivo é grupo de muitos.’ 

‘Dez mil. Somos dez mil!’

‘Massa é uma coisa só.’ 

‘Coletivo. Um mais Um. Dois.’ 

‘Dez mil quatrocentos e oitenta e um dias, até aqui, 18 de setembro.’

‘Thiago, você está me ouvindo?’ 
‘Thiago, você está me ouvindo?’ 

(...) 

domingo, 4 de maio de 2014

É rosa, o laço de fita

Ela:
Não tem devolução.

Ele:
Vamos ter que ficar com esse mesmo?

Ela:
A gente pode tentar a sua tia. Talvez ela fique com ele.

Ele:
Mas com esse defeito, será que ela vai querer?

Ela:
A gente não quer. Devolver não dá. Temos que achar quem queira. Não posso perder meu tempo cuidando de algo de gênero?

Ele:
Que gênero?

Ela, cruzando o tempo, cai deitada na cama.

Ele:
Você está bem?

Ela:
Acabo de abortar e você me pergunta se estou bem?

Ele:
Não podemos tentar de novo. O médico disse que no seu caso, é arriscado.

Ela:
Quero um filho.

Ele e Ela cruzam o tempo e bailam a valsa do casamento. O riso é algo frouxo que se desprende sem medos. Caem sentados em novo tempo.

Ele:
Queremos um filho!

Ela:
Sim, um filho.

Ele:
Uma família!

Ela:
Sim é ele. É este que eu quero. Vamos adotá-lo.

E o tempo deles se esvai.

Off, a babá dos órfãos:
Menino corre com fita rosa ao vento.
É pipa, o cetim rosa.
A vida então enforca.
E criança faz do laço enfeite para o cabelo.
‘Faz forca, menino, faz forca e se destroça.’

Ele:
Seria mais fácil.

Ela:
Não seja rude. É só um menino. Não o quero mais aqui, mas também não quero que ele sofra.

Ele:
Não tenho estrutura...

Ela:
Exato, não temos estrutura. Não entendo dessas coisas de gente que é o que não é. Se a gente colocar algo no suco dele e deixar na porta do orfanato...?

Ele:
É um adolescente, ele saberia dizer quem somos, onde é nossa casa...

Ela:
Mas que inferno, por que não tinha isso na ficha dele?

Ele:
Fale baixo, ele está no quarto. Não é mais nosso filho, mas não vamos deixá-lo traumatizado. Vamos devolver de maneira indolor. Vou procurar um advogado.

Off, a babá dos órfãos:
E assim cai teto
E cai parede
Os móveis ficam ao relento
E nem mais móveis
E nem pais
E nem chão
Só... na prateleira.

SAC:
Qual a queixa, senhor? Sim, o menino tem um laço de fita rosa preso à cabeça. Desculpa, senhor, mas quando o adquiriu, o laço de fita já estava em sua cabeça? Porque só podemos responder por problemas de origem... O senhor considera um problema de origem, entendo. Já tentou tirar o laço? Ah, sim, o menino já virou motivo de chacota, entendo? Sim, podemos efetuar a troca, mas não podemos garantir que o próximo filho não vá querer em determinado momento colocar um laço de fita cor-de-rosa na cabeça, ou vestidos. Ah, quer trocar por uma menina. Entendo, mas as garantias são as mesmas.

Off, a babá dos órfãos:
Futuros papais e mamães.
Caminham entre as prateleiras.
A sua vista, pacotes perfeitos
- e veja só, ressoa um coração.
Mas lá embaixo, na última prateleira,
Onde o pacote com remendos
Guarda o menino com laço de fita no cabelo.
‘Atenção, consumidores, futuros pais da nação. Promoção do dia. Corram aos corredores de meninos adolescentes. Todos os artigos seminovos estão com cinquenta por cento de desconto.’




Baseado na notícia:
http://acapa.virgula.uol.com.br/politica/adolescente-e-devolvido-para-orfanato-por-pais-adotivos-por-ser-homossexual/2/13/23888