segunda-feira, 16 de março de 2015

Elucubrações sobre o verbo nunar



A gente troca esses olhares bobos de quem quer conversar e não conversa. Esse medo bobo que o ser homem cosmopolita, XXI na veia, eletrônico, tem de dizer olá... ou não rola nenhum medo, é apenas isso de ser mais recluso que a maioria, mas de minha parte a vontade de dizer um oi sempre foi muita.

Oi. 

E fico bobo e sem jeito para fazê-lo. E nem é pela beleza fugaz desses vinte e poucos que logo passa, ou já passou, sei lá, quantos anos você tem? Mora aonde? Com o que trabalha? Música? Contemos uma piada. É esse jeitinho particular de olhar, olhar firme de quem ainda procura – procura o quê? Quer ajuda para achar? Bora lá! Fisicamente esse seu ser baixinho, não posso negar, isso realmente me atrai. Tenho uma queda incontrolável por baixinhos... vocês são menos desengonçados, tipo, sem sobra de metro ou centímetros. 

Eu percebi sua existência no planeta quando amarrou uma fitinha verde no meu braço para assistir uma peça. E fui pensar em outras coisas, fui amar um alguém que se tornou meu grande amor da vida, e chorei por isso horrores e me iludi mais terrivelmente ainda, e caí. Despenquei 25 andares de um edifício no Anhangabaú. 25 andares que procurei ao longo de vários anos, e de lá caí em voo livre. As sequelas tento esquecer, mas estão aqui. Sempre ficam e só param de latejar quando a gente aprende a conviver... Hum, melancólico este trecho.

Ok, você tem esse lance de ser meio gatinho, mas não é isso. É o jeitinho, um ‘i’ de interiorano – você é daqui de SP? –, uma coisa meio frágil mas de certa forma segura de si, essa voz que no fundo é grave, mas na fala soa mesclada com um agudo de insegurança ... soa comum e bonito ao mesmo tempo. É estranho tudo. Você é estranho, mas ok, somos todos.

Eu estava bem louco na sexta-feira 13, eu não sei beber, e talvez tenha sido de um jeito meio sem saber o que faço, o que falo, coloco as mãos no bolso ou não, quero beijar você, eu disse, e tchau você. É estranho o tchau antes do oi. 

Só queria saber por que me olha. Me acha legal e pensa que eu daria um bom amigo, acha que valeria a pena conhecer para algo mais, não é nada disso, você é vesgo, eu pensei que você olhava na minha direção, mas na verdade não olhava. Ok, eu sei que você não é vesgo. E tudo bem se eu confundi tudo, ou cheguei na hora errada com a dose errada de álcool e os versos de uma música soando na veia, ‘eu não sei pedir queime devagar’... enfim, já é tarde, melhor eu nanar e sonhar com outras coisas... ou nunar. Dormindo não controlo.

Oi?
...

quinta-feira, 12 de março de 2015

Aos vinte e um que somos dezenove



10/03/15:
Sem muito pesar anuncio, que nesses breves momentos em que estamos juntos e os vejo sorrir, conversar, destruir, lacrar, morre um estar naufragado que às vezes é meu estado comum - às vezes!
Fico meio encantado, calado (não que o seja pouco), magnificado com o plural que somos, com a força que tem cada voz, cada olhar, cada gestual... Somos um colosso; não rude, enrijecido, mas solar, vibrante, como um raio solar a cruzar firme o espaço entre céu e terra; e como um trovão, porque de indivíduos tão fortes, certamente provocaremos as mais graves tempestades... Mas é também preciso ser enorme para voltar ao riso e fazer prevalecer o amor - palavra tão difícil, me parece semente já tão pungente em nós. Por isso colosso.
Descobri que entrei na XIX via mensagem de voz do Felipe, 'Passamos todos!' Entrei rápido no blog da escola sabendo quem eram todos: eu, Carlos, Jeniffer e Felipe - o NIT do ano passado. Mas lendo nome por nome, até passar pelo meu sem muito alvoroço interno, seguindo até o fim da lista, o 'passamos todos' me tomou com novo significado: passamos todos!

365 dias x 4... início!

12/03/15:
P.S.: Não esqueçamos a palestra de hoje. Esse indivíduo que busca sua essência, faz o seu melhor, e essa esperança louca que citou a Schapira, de estar à beira do fim, mas seguir otimista na labuta.

domingo, 1 de março de 2015

A Bisa



A criançada lá de casa queria saber quem era aquele fóssil na varanda. Mas o fóssil olhava de cara amarrada e fumava aqueles fumos de palha, que também de cara amarrada passava horas seguidas a fazer somente um, cortando com as mãos firmes e fortes a palha do milho, quase um quadrado, e próximo a uma das bordas colocava em linha reta o fumo, e depois enrolava, enrolava apertado, o que me fazia lembrar os rocamboles da confeitaria, ainda há pouco todos os dias frequentada: o confeiteiro, de cara amarrada, enrolava o pão-de-ló com doce... mas voltava a centrar-me no fóssil, que abaixava a cabeça até um dos lados do quadrado depois de muito enrolar, e deixava a língua escorrer saliva por toda uma aba, para que eu nunca mais em minha vida, passado o ano que tivesse passado, se quer me atrevesse a pensar em comer rocambole.


O fóssil admirava a sua obra e me revirava o estômago – mas a curiosidade não me deixava partir, e via o fóssil pegar o fogo do forno à lenha ao seu lado e acender o fumo, sendo então o fóssil, minha conclusão, fruto seco do calor do fumo e do calor do forno.Senhoras e senhores, esta é a única visão que tenho da minha bisavó centenária em vida. Em vida?


Nós, meninos e meninas, éramos obrigados a dizer bênção e beijar a mão do fóssil todos os dias pela manhã ao acordar e passar por ele ali sentado sempre na varanda, na cadeira de balanço, e abaixávamos a cabeça – in memoriam – ao entrar para o almoço, e novamente tínhamos que tocar-lhe a capa e as veias sobressaltadas antes de deitarmo-nos. Não sei ao certo se o fóssil dormia e se dormia, se o fazia ali sentado ou se ia deitar-se – nunca o vimos andar, nem para ir ao banheiro e como na cadeira e na varanda não havia cheiro de fezes, não sabíamos na verdade se realmente cagava e mijava. Talvez já fosse fóssil demais para danar-se com fisiologia tão mais que de vida, que de morte.