terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Com o Preto Velho

Um Preto Velho me disse, montado em seu cavalo branco, que meu Pai e meus guias me levaram até aquela casa hoje - e bem pode ser verdade que me senti forçado a deixar de lado a procura por uma transa para afogar as mágoas. Estava eu no terreiro, em frente ao Preto Velho, que disse que minha mentora espiritual queria se aproximar de mim para me dizer algumas palavras - e são minhas e depois de ouvidas, só em mim ficarão -, e que para ouvi-la, bastava eu buscar pequenos momentos de alegria e de alimentação da minha alma, boa leitura, boa música, sentar num parque e encostar numa árvore - e disse o Preto Velho, não para ficar fuçando num aparelhinho eletrônico, mas apenas para estar comigo e alimentar uma de minhas partes. Porque disse ele, o Preto Velho, que sou duas. Terra e Espírito, todas com suas necessidades, e que deveria saber ser disciplinado para saber alimentar uma, sem matar de fome a outra. E disse ele que sempre, seria eu essas duas partes.
Disse o Preto Velho que um médico conversador aqui da Terra - um psicólogo - iria me ajudar. E que eu já sei o que alimenta bem o meu corpo, e o que me alimenta mal. E sabendo, seria preciso eu escolher que alimento quero. Porque disse eu a ele que sei que o pensamento é eu que alimento, e tenho-o nutrido de mutilações de possíveis felicidades que nunca são mais que possíveis, distantes, talvez. Porque as mutilo, dando lugar a pensamentos obscuros de dor, horror, sangue, solidão, the end (não disse 'the end', disse-lhe 'pensamentos feios').
Disse o Preto Velho que sou em excesso intelectualizado. E que seu eu fosse burro seria mais fácil, porque assim que apanhasse e sentisse a dor de ir no caminho contrário, não matutaria em pensamentos mil que me fazem recolher-me como ostra - levaria a paulada e sairia correndo para o outro lado.
Disse o Preto Velho, e gosto tanto de conversar com eles em suas giras de calmaria e ternura, que podia eu escolher entre tudo que tenho aberto ao meu alcance, basta o meu querer seguir, que chego. 
Disse-lhe eu que estava curioso sobre a mentora espiritual, que já sabia dos vários amigos que me acompanhavam, mas não sabia dessa mentora. E disse outras coisas em íntimo silêncio e olhos fechados, enquanto sua mão de cavalo branco estava sobre minha cabeça. Ele ouviu e sorriu.
Agradeci por coisas outras que ele disse serem meu mérito. E cruzando minha guia branca, ele pediu que eu pensasse em tudo de mais lindo que já vivi. E lembrei da minha mãe comigo e meu irmão no sofá quando pequenos fazendo festinha, que gostava de fazer cócegas no pé do meu irmão porque seu pé era achatado e gordinho, que ria na cozinha da casa da minha avó pulando alto e batendo nas minhas próprias pernas - era quase um relinchar; lembrei de imagens outras que vez ou outra, num pensamento fúnebre, sucumbo. Vi todas essas imagens desenhadas em minha guia branca e o Preto Velho a colocou em meu pescoço. 
Por último, o Preto Velho pediu minha guia preta e vermelha e perguntou se eu cuidava dela. Disse que nunca a havia limpado. Ele disse que dava pra perceber e a colocou entre os dedos como se pesasse uma tonelada. E pediu que eu a guardasse e pedisse aos pais da casa para me ensinar a cuidar delas. 
Disse ele que não esquecesse sempre de acender uma vela branca quando voltasse, oferecendo a essa minha mentora. E assim acabou, eu sem saber quem é essa mentora, quem é esse Preto Velho, quem é Deus. Sinto-me grato, com menos uma tonelada.

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