terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Primeiro



Estudava na Monteiro Lobato, em Higienópolis, ao lado da praça Buenos Aires. Gostava de andar por cima do muro que subia em escala e ladeava o parque – subia até quase ficar alto demais, quando pulava. O gradil da parte de trás do jardim da escola dava para a praça, onde há aquela estátua de mãe embalando o filho - "Mãe" de Caetano Fraccaroli, é assim que chama ela, pesquiso agora. O gradil era ponto de encontro de quem queria lanchar amora colhida direto do pé, que ficava na praça: esticava-se o braço e colhia-se o lanche ou sobremesa do que já estava na lancheira. Minha lancheira tinha sempre um suco e um sanduíche, fruta que não amora também. E nem morangos. Mas lembro de uma menina que achava muito simpática, e não sei se porque ela parecia a Moranguinho ou porque tinha tudo da Moranguinho, pra mim até hoje ela é a Moranguinho.  E tinha uma outra menina simpática da qual todo mundo era amigo e eu achava que ela deveria falar mais comigo porque nossos mães eram amigas.
Agora escrevendo me lembro de várias outras pessoas, de uma professora, do dia da fila para pegar presente do Papai Noel – diferentemente dos desenhos, o Papai Noel era preto, e achei isso uma grande descoberta. Lembro dos armários no corredor e dos pinos de pendurar as mochilas – lembro que a minha mochila preta do bolso vermelho (ainda a tenho) era igual a de uma menina da minha sala chamada Mônica, e não sei se por isso, mas sempre na hora da chamada quando a professora falava ‘Mônica’, eu corria a levantar a mão e dizer ‘Presente!’. Era teste dificílimo a chamada, precisava ficar muito atento para não seguir respondendo errado. Ah, e me lembro de uma cobra sanfonada que fizemos e pouco me lembro de outros desenhos – minha mãe jogou todos fora quando eu tinha sete anos e resolvi inaugurar um museu no meu quarto, picotando todos e colocando em retalhos pelas paredes, armários e porta do meu quarto, sendo eu a obra principal, uma estátua no meio do quarto, em cima da cama. Fiz isso com a ajuda de uma menina chamada Amanda, que eu não sei filha de quem é, de onde veio, mas lembro que dormimos na mesma cama, um com a cabeça para cada lado, porque ela tinha piolho, coisa que até hoje, apesar do muito cabelo, nunca tive.
Ah, meu cabelo crespo era de lida difícil em casa, porque era eu o único em casa de cabelos crespos. Então minha mãe penteava-o até não sobrar nenhum fio enrolado – estilo Bombril. Como eu usava os xampus e condicionadores para cabelos lisos, os fios secos e poucos enrolados tinham esse estilo mesmo.
Outras coisas me lembro: das folhas de palmeira que caiam no pátio-jardim íngreme e das crianças que se arriscavam a descer a ladeirinha sendo puxadas a toda velocidade dentro da folha – acho que fiz isso uma vez também, mas o meu maior acidente foi dentro do trenzinho que ficava no grande tanque de areia. Caí em cima de uma pedra que deixou meu joelho em carne viva.  Eu me lembro de um menino chamado Gustavo, que anos depois reencontrei no Fifi e com o qual eu brigava para ficar na frente na fila indiana, que era sempre ordenada em escala crescente de estatura e nós, os mais altos da mesma altura, detestávamos ficar por último.
Me lembro que odiava o meu nome porque era difícil de escrever e era preciso explicar como se fazia – sempre fui de falar pouco. Eu queria me chamar Felipe. Ou melhor, Philipe – que li em algum lugar e achava mais fácil de escrever. Mas comecei a escrever tudo isso depois de ler a matéria aqui embaixo, o que me fez lembrar do Alan – ou Allan, um menino que estudava nesta escolinha e que eu sempre ficava muito feliz em ver e pelo qual eu pedia para minha mãe mudar de caminho na ida para casa, assim passávamos em frente ao prédio dele – não me lembro como sabia que era o prédio dele, mas lembro que esquecia a calçada e passava em frente olhando para cima. E já ficava feliz. Ele tinha um cabelo ridiculamente liso e preto cortado como se sob uma tigela e usava a mesma roupa que usávamos todos nós: camiseta branca, short curto vermelha, meia branca e Conga ou All Star vermelho. Ele foi o primeiro e acho que até hoje fico meio bobo como dessa vez, mais de vinte anos aqui do lado.

A matéria aqui embaixo:
http://www.brasilpost.com.br/Amelia/meu-filho-de-10-anos-gosta-de-meninos_b_6347856.html

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