quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Adeus Bolonhesa

Eu gosto das decisões repentinas da vida. Três anos atrás, num segundo dia de novembro, decidi parar de comer carne. Ser vegetariano, é assim que se chama, mas deixarei o rótulo de lado por ser pequeno frente a decisão. Acordei e tomei meu café da manhã habitual. Era domingo e por isso o habitual tinha pão francês, mussarela e... mortadela. Foram as duas últimas fatias. Não sinto falta.
Tinha uma apresentação no teatro na qual não acreditava que me sairia bem. E não me saí nada bem. Caí num abismo de reflexões. Não morri. O abismo era cheio de travesseiros. Todos os travesseiros sob os quais eu escondi uma pergunta, uma insegurança e um desejo. Afundava com força e sob os travesseiros estavam os monstros que alimentavam meus pesadelos acumulados em vinte e três anos de noites mal dormidas. A viagem foi aconchegante. Os reencontros costumam ser um aconchego - desespero apenas quando sonho que parece nunca acontecer. Os sonhos continuavam brilhando e o medo que os acompanhavam não eram tão feios quanto se faziam ser; os monstros não eram tão difíceis de serem encarados de frente; e as inseguranças eram tão inseguras de si que aflitas se juntaram todas sob um mesmo travesseiro. Concluí que insegurança é coisa frígida que se esconde sob o travesseiro quando encarada, fica com medo do escuro e por isso nem procura a saída: vira pesadelo, que é coisa morta, que nunca acorda com o dia.
A viagem pelo abismo do Centro Próspero de Travesseiros e Monstros (CPTM) durou os trinta minutos da estação Barra Funda a estação Perus (casa). Quando desci já havia tomado algumas decisões - metas, objetivos da minha vida. Três das quais me lembro muito bem, porém quase todas exigiam um trabalho longo e árduo. Sobrava uma que para vir à tona carecia apenas de uma decisão. Era simples, bastava pôr em prática. Entrando em casa e indo direto a cozinha - como sempre, mas precisamente ao fogão -, vi o macarrão, já com o molho. Bolonhesa. Havia acabado de decidir nunca mais comer carne, coisa que sempre quis, mas parecia sempre tão complicada, 'Ah, estou pesquisando um cardápio alternativo'. Olhei para trás, onde ficava a mesa e sobre ela o saco de pão. Foram dois de uma vez - sem mortadela. Saco de pão profundamente alternativo. E assim tem sido. Sem faltas e sem desejos.

Nenhum comentário: