sábado, 13 de dezembro de 2008

Faca para o meu amor brincar com um pescoço

Ela diz que à meia-noite todas as luzes estarão apagadas. Não é certo que estarão. É sim certeza, porque ela diz somente o que ela quer que aconteça. Ela quer. Acontece.
Meia-noite e tudo se apaga. A TV, a geladeira, o DVD, o fogão. Tudo que estava na sala. Na cozinha, o chuveiro continua seu som de temperatura verão, e a água pelando escorre sobre o guarda-roupa.
Ela o abre. Por dentro. Ela em seu pijama-vestido ou vestido-pijama. Uma camisola que ela usava para atender os vizinhos e as vizinhas. E até mesmo o porteiro.
Eu nunca considerei o porteiro vizinho. Somente o empregado mais empregado e usado do prédio. Talvez este tenha sido meu erro.
Mas, como dizia, ela saía do guarda-roupa ainda seca, os pés molhados ao tocar o chão banhado de água quente.
Estou sentado na poltrona. Como disse, a luz acabou, mas me mantenho assistindo. É melhor acreditar que o que realmente ocorre é uma ilusão, e a ilusão que ocorre é a mais pura realidade. Por isso afirmo que mais uma vez as notícias do telejornal me cansam. Dane-se a queda nas bolsas, elas não me interessam mais. Já faz uma semana.
Ela vai ao quarto e volta. Linda como sempre e um lindo punhal em sua linda mão direita. A mão errante de uma linda canhota.
Ela se posiciona à beira da janela, sempre entreaberta. Desde que trouxera o banheiro para a cozinha assim ela deixava a janela.
A pausa sua à beira da janela, com o olhar fixo no chão da rua lá embaixo. Quatorze andares lá embaixo.
Ela abre a janela e a deixa, vindo até mim, posicionada atrás da poltrona e acariciando com sua mão esquerda... e a direita, o meu pescoço.
Eu não sei porque dei tanta importância a essa ilusão. Só sei que desde então não mais assisto ao telejornal. E vejo que um estranho ocupa minha poltrona.

Nenhum comentário: